Quando um homem de pensamento alcança a idade viril e atinge uma consciência lúcida, ele se sente involuntariamente como que apanhado numa armadilha, da qual não há saída. De fato, contra a sua vontade, ele é chamado por certas casualidades do não-ser para a vida… Para quê? Ele quer conhecer o sentido e a finalidade da sua existência, e não lhe dizem nada, ou então dizem bobagens; ele bate à porta, e ninguém lhe abre; a morte chega, e é também contra a sua vontade. Pois bem, assim como na prisão os homens ligados pelo infortúnio comum sentem-se aliviados quando se reúnem, assim também na vida não se percebe a armadilha quando as pessoas que tendem para a análise e as generalizações reúnem-se e passam o tempo na troca de idéias livres, altivas. Neste sentido, a inteligência constitui um prazer insubstituível…“Oh, por que o homem não é imortal?”, pensa ele. “Para que existem os centros cerebrais, as circunvoluções, para que a visão, a fala, a autoconsciência, o gênio, se tudo isto está destinado a ir para debaixo da terra e, por fim, esfriar junto com a crosta terrestre e depois, durante milhões de anos, girar sem sentido e sem um objetivo, com a Terra, ao redor do Sol? Para esfriar e depois girar, é de todo desnecessário retirar do nada o homem, com a sua inteligência elevada, quase divina, e depois, como que por zombaria, transformá-lo em barro.”
“A troca de substâncias! Mas que covardia é consolar-se com este sucedâneo da imortalidade! Os processos inconscientes, que ocorrem na natureza, são inferiores mesmo à estupidez humana, pois na estupidez existe, apesar de tudo, consciência e vontade, e nos processos não há absolutamente nada. Apenas um covarde, que tem mais medo da morte que dignidade, pode consolar-se com o fato de que o seu corpo um dia viverá na erva, na pedra, num sapo… Ver a sua imortalidade numa troca de substâncias é tão estranho como predizer um futuro brilhante à caixa de um violino caro, depois que este se quebrou e inutilizou.”
— trecho da novela “Enfermaria Número 6”, de Anton Tchekov (1860-1904). in: O Beijo e Outras Histórias. Tradução de Boris Schnaiderman. Ed. 34. Pg 205-206.
Publicado em: 21/10/11
De autoria: casadevidro247
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